domingo, 3 de novembro de 2013

Luto e a dor na perda


Aproveitem esta entrevista da Profa. Dra. Elaine Gomes dos Reis Alves

Para quem se interessar segue o link da entrevista sobre Luto e a dor da Perda, na TV Cultura:

http://tvcultura.cmais.com.br/prontoatendimento/videos/luto-pronto-atendimento-29-01-2013

A morte é uma travessia? - carta a um amigo querido


escrevi um texto sobre morte, luto e espiritualidade  no blog "Saúde e Espiritualidade", um amigo querido, estando ainda tomado pelo luto por causa da morte recente da mãe, me fez alguns questionamentos em relação ao termo "travessia" usado naquele texto. Então, lhe escrevi uma carta/e-mail e aqui transcrevo parte da carta, espero que ajude na reflexão sobre morte, ressurreição, reencarnação.

Olá, querido,
 
te entendo bem... Compartilho contigo que,  nos acompanhamentos  que fiz, eu ia sendo confrontada com uma realidade que me era desconhecida.  A morte - quase sempre - não acontece num instante. (Escrevo "quase sempre", porque não tem como saber ou entender "tudo" do "todo"). É um processo em que o corpo vai dando seus sinais, tem até a conhecida "melhora da morte", reconhecida pelas equipes de saúde; aquela melhora em que o paciente tem tempo para falar, se despedir, encaminhar... É um processo em que a pessoa vai se dando conta de sua morte, é um silenciar. É de fato um processo, um atravessar daqui para uma realidade que não conhecemos - se vamos dormir nos braços do Pai, ou vamos para um sono eterno até a ressurreição, ou ressuscitamos no ato da morte...  são sempre só conjecturas a partir da fé. Como será de fato não temos como saber, são os mistérios entre o humano e o divino, que não foram dados a conhecer. Nos resta CRER que DEUS estará conosco. Como disse-me uma paciente indo para uma cirurgia: "Vou morrer e tenho medo, mas sei que o Pai está comigo".  O que sei a partir de muitos momentos em que estive ao lado de pessoas que estavam morrendo, é que realmente é um processo como a de uma travessia. Mesmo quando a morte é rápida como em acidentes trágicos, ainda há relatos dos sobreviventes que, quem morreu ainda procurou pela mão de quem estava ao seu lado, num gesto de despedida ou de apoio. Quando a minha mãe morreu , de forma súbita, ela chamou pelo meu pai.
Comecei a ler e pesquisar mais sobre o tema na medida em que ia sendo confrontada com as mortes e os questionamentos.  Publico os textos aqui para provocar essa discussão, pois são temas controversos e, em muitos casos, ainda tabu. É melhor não falar de morte para não atraí-la, pensam alguns; não falando dela não temos que lidar com ela; ressurreição e reencarnação são assuntos de religião e religião não se discute. Tu, querido, amigo, fizeste me uma pergunta que talvez muitos gostariam de ter feito, mas as deixaram pululando como pulgas atrás de suas orelhas.
 
 O que penso sobre ressurreição tem base e raízes no Evangelho: ela nos liberta e não nos escraviza a ter que retornar inúmeras vezes. Deus nos deu este tempo -  8 dias, 8 semanas, 8 meses, 8 anos ou 80 sempre terá sido o tempo dado para viver a VIDA de forma mais preciosa possível. Nas lápides das sepulturas, temos um sinal muito simbólico (* 12.09.1889 ________ 12.09.1975+), repare que o que separa a data de nascimento da data da morte é uma traço, a nossa vida é aquele traço. E é o que temos e isso não é pouco nem desanimador, é um presente maravilhoso.
 Quando morremos e cremos na ressurreição entramos para uma realidade que nos leva a uma porta aberta. Nossa fé cristã nos oferece a liberdade do Evangelho, da porta de se abre para a Eternidade. Jesus diz: "Eu sou a porta...". Como isso será? Amigo! Isso pertence a Deus e é bom deixar Deus ser Deus. Escreves que tua mãe "dedicou a vida toda à palavra da Salvação e Ressurreição em Cristo".  Todas as pessoas que acompanhei e que morreram crendo na Ressurreição, e na Salvação que emana da Graça das Mãos Divinas e que não é mérito nosso, morreram com uma esperança quase que inexplicável. A fé definitivamente não é uma ciência exata.
 
Querido amigo, obrigada por provocar essa minha reflexão.
Um grande abraço, onde possas caber inteiro com tua dor e tua saudade.
(de tua sempre amiga Vera)
 
 

sábado, 2 de novembro de 2013

Sobre a necessidade de morrer

REVISTA FILOSOFIA (Ano VII n. 87 outubro 2013)

 

Diante do medo e o despreparo para a morte, que acomete
 sobretudo as culturas ocidentais, Heidegger afirma que
 é preciso viver. A angústia do medo da finitude também
 pode vir de uma existência superficial e massificada

Por: Matêus Ramos Cardoso / Wellington Lima Amorim

 

Independente da crença, todos vamos morrer.
Esse é um evento tão comum quanto o fato de nascer,
crescer, ter filhos... Porém, tal assunto causa espanto,
e a morte passa a ser vista como uma desgraça;
mas morrer é um evento natural e, acima de tudo,
: morrer é tão importante quanto nascer.
A morte nos causa tanto medo e angústia que é mais
 cômodo não entrar em contato com ela. O objetivo deste
 artigo é apresentar a ideia de morte como necessidade
para a vida, um elemento que não é antagônico.
É comum percebermos que os indivíduos procuram,
ao máximo, afastarem-se da morte, principalmente nas
sociedades ocidentais, pois o que mais é valorizado em
 tais sociedades é a superficialidade e o narcisismo.
É necessário, também, analisar a morte enquanto direito de morrer,
 bem como a sua beleza e seu potencial singularizador numa
sociedade de massa.
O MEDO DA MORTE De acordo com a interpretação de Sigmund Freud (1856-1939),
na Mitologia grega, a morte aparece como elemento contrário à
integração. Essa força, chamada morte, representada por Tanatos,
alimentaria os desejos destrutivos. Mas, quando operando ao lado da vida,
geraria o equilíbrio. O medo da morte está em contextos antigos, como na
 perspectiva mítica bíblica, segundo Norbert Elias (1897-1990):
“No paraíso, Adão e Eva eram imortais. Deus os condenou a morrer porque Adão,
o homem, violou o mandamento do pai divino. O sentimento de que a morte
é uma punição (...) desempenhou papel considerável no medo humano
da morte por um longo tempo”.¹ A limitada duração de nossa existência
nos força a viver para encarar a morte como um fato, habituando-nos a ela.
Afinal, ela é um problema genuinamente humano, que leva os indivíduos a
se protegerem da aniquilação.
Contudo, o problema não é a morte em si, mas como nos deparamos com ela,
a maneira como a conhecemos: a consciência sobre a morte foi diminuindo com
o passar dos séculos. Isso se deve, também, ao fato de que houve um aumento na

expectativa de vida dos indivíduos, o que mostra um aumento de segurança,
consequentemente um desvio da reflexão sobre a finitude humana. “O espetáculo da morte não é mais corriqueiro. Ficou mais fácil esquecer a morte no curso normal da vida”.² Isso não significa que não ocorra tal evento, mas, que o mesmo não recebe a atenção que lhe é própria, especialmente numa sociedade narcísica, como a contemporânea.

A SOCIEDADE ATUAL ESTIMULA A CULTURA DO NARCISISMO, EXISTE UMA ESPÉCIE DE CRENÇA, QUASE QUE INABALÁVEL EM NOSSA SUPOSTA IMORTALIDADE

Hipnos é a personificação do sono enquanto seu irmão gêmeo Tanatos, o da morte. Ambos habitavam o território de Hades, no mundo subterrâneo
A MORTE NA CULTURA DO NARCISISMO
A sociedade atual estimula a cultura do narcisismo, de tal maneira que existe uma espécie de crença, quase que inabalável, em nossa suposta imortalidade. Daí surge a necessidade de permanecer, em que morrer representa um desastre. As exigências do sucesso provocam enormes desgastes, levando as pessoas a se sentirem obrigadas a atingir objetivos idealizados e a ter que ultrapassar a todo custo suas limitações, indo além do que podem. Consequentemente, isso gera uma supervalorização da vida, de tal maneira que, surge a ilusão da beleza eterna e da jovialidade, próprios da sociedade atual.
Christopher Lasch (1932-1994) é considerado um grande crítico do modelo de vida próprio das sociedades industriais. E é na sua obra, A cultura do narcisismo, que demonstra sua crítica à nossa sociedade. Nessa obra, ele argumenta que existe, de certa maneira, um desinteresse pelo mundo exterior, exceto à medida que ele serve como fonte de gratificação. Temos, então, uma busca de autoidentidade, em uma espécie de narcisismo. Para Lasch, o narcisista representa a dimensão psicológica dessa dependência. Não obstante, em suas ocasionais ilusões de onipotência, o narcisista depende de outros para validar sua autoestima. Ele não consegue viver sem uma plateia. Essa análise nos indica que vivemos em tempos nos quais nossa individualidade depende da aprovação dos outros, nosso mundo interior não tem tanto prestígio: “Porque o temor de amadurecer e de ficar velho persegue nossa sociedade; porque as relações pessoais se tornaram tão instáveis e precárias; e porque a vida interior não mais oferece qualquer refúgio para os perigos que nos envolvem”.³
Para o autor, o que caracteriza tal comportamento seria a superficialidade emocional, uma pseudoautopercepção, assim como o horror à velhice e à morte, restando uma preocupação com a sobrevivência de si.
Na verdade, a preocupação com que o outro possa sobreviver consiste apenas no “eu” que precisa ser reconhecido e ter sua existência garantida. Ora, não que não seja importante a preocupação consigo, mas o que se analisa é a demasiada busca de autopreservação em detrimento do que ocorre fora do próprio círculo. Nesse sentido, o que temos é um projeto de transformação da sociedade que visa ao particular, uma busca de razões políticas que não se encontram em valores universais, mas interesses que satisfaçam o prazer do indivíduo.

NA OBRA de Markus Zusak (1975) intitulada A menina que roubava livros, romance narrado durante a Segunda Guerra Mundial, a morte é vista como companheira. Em meio a tanto sofrimento, a morte é personalizada como uma amiga para aliviar o peso da desgraça. Ela se encarrega de carregar no colo as almas quentes, na frieza e no desespero da guerra

O mito grego de Narciso serviu como base de diversas teorias no decorrer da História. O narcisismo é símbolo da vaidade, do individualismo e da insensibilidade
A preocupação da sociedade atual está desvinculada do passado e do futuro, foca apenas no aqui e no agora. Temos, então, indivíduos com medo de se perderem, que se agarram na busca frenética de uma identidade que os satisfaça e lhes permita ser percebido, e morrer é não mais ser percebido, daí o desespero. Tais seres humanos não se percebem parte da História e sua insegurança não se restringe apenas a questões econômicas, etc., mas também ao medo de não conseguir ser plenamente: “... a ética da autopreservação e da sobrevivência psíquica está, então, radicada não meramente nas condições objetivas da guerra econômica, nas taxas elevadas de crimes e no caos social, mas na experiência subjetiva do vazio e do isolamento”.4 Assim, a consciência de Narciso é o espelho, tão externa a ele, tão transparente e líquida. Os gregos conseguiram, no passado, mostrar a imagem que se destacaria no homem dos tempos pós-modernos, que se perde na contemplação do objeto, procurando ali o próprio sujeito, dessa forma, perde-se na procura de si mesmo. O que chamamos aqui de Ética da sobrevivência. Para Lach, “as pessoas deixam de sonhar com a superação de dificuldades, mas simplesmente passam a sobreviver com elas”.5
A ideia do Narciso é uma maneira de aprofundar o olhar no resultado das recentes mudanças no âmbito da sociedade. Dessa maneira, o modo de vida atual é um auxílio para fazer surgir novos “filhos narcisistas”; outro fator impulsionante é a mídia, que, por meio do bombardeamento de propagandas que incentivam a sobrevivência, realiza tudo isso, potencializando os sonhos narcisistas, sendo eles os sonhos de fama, sonhos de glória, voltando cada vez mais o olhar para o alto, para as estrelas, para um mundo livre da maldição da contingência, fugindo cada vez mais da realidade, finita e mortal.