A palavra hebraica para alma é
nefesch, que significa garganta. Os gregos a traduzem por
psyche, que significa soprar, respirar. Já em latim é
anima, de anemos, que é vento. Para muitos povos, alma é um respirador invisível. No Antigo Testamento, a alma é o sopro da vida, a força de vida que faz de nós seres humanos. Carl Gustav Jung dizia que a alma é uma instância curadora que opera em nós de forma oculta e que assume a direção de nossa vida quando o nosso eu consciente falha.
Essas e outras definições demonstram que somos mais do que nosso corpo visível e material. Nossa interioridade precisa ser acolhida, cuidada, porque é ali que está o que temos de mais profundo e o mais precioso – o sopro divino em nós. A alma é, por assim dizer, o centro interior de transformação que faz das vivências externas experiências intrínsecas.
Mas como tratar a alma quando o corpo está dando sinais de S.O.S? O acolhimento, a atenção e a escuta ativa são instrumentos vitais para que o paciente se sinta cuidado de forma verdadeira e integral.
O monge beneditino Anselm Grün escreve sobre esse núcleo interior que todos temos, esse lugar onde habita o sopro divino em nós: “Por vezes os nossos recursos se encontram escondidos por debaixo de uma grossa casca. Quando alcanço o núcleo interno no qual se encontra concentrada toda a força, nova energia fluirá para os meus pensamentos e ações, algo desabrochará em mim. Em cada um de nós existe este núcleo, repleto de energia e esperança.” Ali onde Deus habita em mim é que permaneço saudável e inteiro; onde a doença perde seu poder – ali está minha alma.
Algumas vezes o corpo dói porque a alma adoeceu; noutras vezes, a alma é que dói porque o corpo está doente. Não há como separar um do outro, não temos um corpo e uma alma – somos corpo e somos alma.
Não é possível curar o paciente se não o enxergarmos como alguém inteiro. Abraham Heschel escreveu: “A alma tem seu lar onde se reza. A oração é a morada da alma.” Sendo assim, tratar da alma é ajudar o paciente a se reencontrar, ou a encontrar pela primeira vez esse seu núcleo interior onde pode acessar suas forças, sua fé, suas energias vitais e sua cura. Rezar significa entrar em contato com o desejo da alma e ajudar o paciente a fazer esse contato, esse caminho até si mesmo – um caminho terapêutico necessário, seja na trajetória para a vida ou para a morte.
Como a alma não aparece em exame algum, o paciente até pode estranhar que queiramos nos (pre)ocupar com o assunto. Mas é ali onde conseguimos colocar nosso amor – que não tem pátria nem religião nenhuma e é humano desde que o primeiro humano começou a perambular pela terra – que colocamos também nossa alma.
Tratar a alma é ouvir as queixas do paciente em relação à saudade do seu cachorrinho, do qual teve que se afastar; é dar importância à angústia, mesmo quando a dor está sob controle; é dar a mão, mesmo que isso não conste nos protocolos; é ter um pouco mais de tempo, porque por vezes o que o paciente tem para contar pode não ter a ver com a dor em si, mas é sintoma de um quadro maior – a difícil e maravilhosa tarefa de ser um ser humano.
(texto de Vera Cristina Weissheimer, do livro eletrônico "Como Trato" organizado pelo Dr. Pedro Chocair, diretor Clínico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz)